MEUS EXPERIMENTOS EM GRAVURA - 2013/2015
Não procuro a
perfeição, procuro a beleza. Mesmo porque a perfeição não existe. A beleza eu
escolho. A beleza pode ser encontrada acidentalmente, a beleza se descobre, se
desvenda.
INTRODUÇÃO
Esse texto é um relato de algumas de minhas últimas experiências em gravura, entre os anos de 2013 e 2014, em diversos suportes.
'Gravura é toda marca
deixada em uma superfície qualquer impressa em um papel (ou outro suporte)'.
Partindo desse princípio qualquer superfície em que se possa deixar (ou
encontrar) uma marca, seja uma linha traçada com um buril ou uma goiva, ou um
arranhão, um rastro de pincel, ou uma marca que ali já existia antes, como
estragos, desgastes, restos de cola ou tinta, que se possa entintar (com rolo,
pincel, espátula ou tampão, etc.) e que se possa imprimir (manualmente ou através
de uma prensa) em um papel (ou outro suporte), pode-se transformar em gravura.
Assim, encontro distintos
materiais para fazer uma gravura. Procuro neles o que eles podem me oferecer.
Desde sua textura – natural ou artificial – à sua maciez ou dureza para
incisões.
Busco as possibilidades
de trabalho que me permitem. Alguns facilitam os trabalhos de incisões com
goivas, formões, pontas, buris e berçôs, permitindo o traçado de linhas ou de
confecção de texturas. Outros possibilitam a realização de manchas através do
uso de corrosão com solventes ou com calor, ou, ainda, a adição, com colagens ousoldas.
Busco a expressividade
que possam me apresentar: negros intensos, linhas expressivas, texturas
delicadas, manchas espontâneas ou variedade de tonalidades. Ou mesmo a
possibilidade de realização de um trabalho gestual, traços ou pinceladas
livres, espontâneas, ou, por outro lado, maior precisão, linhas rígidas,
definidas, traços com réguas. Em suma, aquelas possibilidades expressivas que o
material – a matriz e os meios – podem proporcionar.
Os últimos experimentos,
em que pude me debruçar por algum tempo, realizados nesses últimos dois anos
foram (1) matrizes confeccionadas com verniz acrílico transparente com
pigmentos ou carborundum em papelão paraná ou Duratex e; (2) matrizes de blocos
de gesso; (3) matrizes de paviflex; (4)e a litografia a seco. Experimentos
díspares, resultados muito distintos, muitas possibilidades.
I.
GRAVURA EM MATRIZES COM VERNIZ ACRÍLICO
TRANSPARENTE
Para
esses experimentos utilizamos como matrizes folhas de papelão paraná ou placas
de Duratex recobertas com um verniz acrílico transparente (Complemento acrílico
Suvinil – tinta utilizada comercialmente para pintura de concreto aparente) e pigmento
em pó (comercialmente conhecido como ‘pó xadrez’). A função do pigmento seria
apenas dar mais consistência à tinta e tornar mais visível a imagem. O verniz é
aplicado sobre a matriz com pincéis embebidos em verniz e mesclado com o
pigmento, como um trabalho de pintura em tela, criando uma imagem ou formas
sobre o papel ou duratex. As matrizes de Duratex foram também posteriormente
trabalhadas com incisões, entalhadas, como na xilogravura
A
intenção primeira dessa experiência seria a obtenção de um resultado mais
pictórico, isto é, que se percebessem na gravura impressa os rastros do pincel
– podemos adiantar que isso só foi parcialmente atingido. A imagem obtida não
se assemelha propriamente a uma pincelada de pintura, mas produz uma textura
interessante, diferenciada, que pode muito bem contribuir no resultado final da
gravura.
Algumas
vezes foi utilizado, além do pigmento, carborundo em pó, mesclado com o verniz
acrílico, com o objetivo de acentuar mais a aparência da pincelada. O
carborundum produz uma textura acentuada o que resulta mais claro na impressão
em relevo (o relevo proporcionado pelo carborundum não permite que o rolinho de
entintagem penetre na textura) e mais escuro na impressão em côncavo (porque a
textura acentuada do carborundum retém mais tinta).A impressão em côncavo dá um
resultado mais parecido com a água tinta e à gravura ao carborundum – a tinta
penetra mais, a textura é mais compacta.Ambos os resultados são muito
interessantes, na verdade pose-se dizer que uma mesma matriz proporciona duas
gravuras distintas.
As
matrizes foram impressas tanto em côncavo quanto em relevo, com resultados,
obviamente, distintos, assim como em oco-relevo, simultaneamente.
Gravura 01 (matriz 1 -
com verniz/pigmento sobre papel paraná) – impressão calcográfica
Gravura 02 (matriz 2 com verniz/pigmento/carborundum e
incisões sobre Duratex) – impressão em relevo
Gravura 04 (matriz 2) – impressão a cores, em oco e relevo (o
inverso da impressão anterior, em laranja e preto, respectivamente).
Em alguns
experimentos somente foi aplicado o verniz puro (sem pigmentos) em papel pinho
ou paraná. O papel é pintado a pincel com verniz acrílico, sem preocupação de
evitar rastros ou marcas de pincel. O desenho é realizado com ponta seca sobre a
matriz assim envernizada. A ponta arranha a tinta sem produzir nenhuma rebarba,
gerando, portanto, uma linha bem definida. É necessário esperar secar totalmente,
pois ao traçar linhas com o verniz ainda úmido a ponta ‘esgarça’ o papel e na
impressão as linhas traçadas ficam borradas.
As linhasobtidas são bem
definidas, similares às linhas de água forte, boa qualidade de impressão e
resistência à tiragem. As marcas das pinceladas aparecem muito suavemente, não
parecendo propriamente uma pincelada. O verniz não deixa a superfície
perfeitamente lisa, não proporcionando muito branco, as áreas brancas aparecem
irregularmente cinzas, mas, em compensação o branco que surge é muito luminoso.
Pode-se deixar áreas sem
envernizar, ou proteger com fita crepe. Essas áreas que não recebem verniz
produzem manchas escuras, semelhantes a uma água tinta meio irregular.
II.
GRAVURA EM MATRIZ DE GESSO.
A
gravura em gesso é uma gravura em relevo, assim como a xilogravura e a gravura
em linóleo. A particularidade do gesso é que sua superfície é extremamente
branda e, portanto, permite um corte suave e fácil. Pode ser trabalhado com
inúmeras ferramentas, como as da xilogravura de fio – formões e goivas – assim
como com ponta seca, buril, buris raiados, estiletes, quaisquer materiais que
podem ferir ou arranhar sua superfície macia, como pregos, lixas, palhas de aço
(Bombril) pedra pomes, etc.
Outra
particularidade é que como, obviamente, é frágil, não pode ser impressa na
prensa, porque se quebraria. Sua impressão tem que ser feita manualmente com um
barém, e, preferencialmente um papel fino ou suave, como o papel arroz. O uso
da colher não é recomendável, pois desgasta as bordas de algumas incisões,
danificando a imagem, não permitindo uma tiragem uniforme.
Como
pode se quebrar com facilidade exige cuidado extremado no seu manuseio, deve
estar sempre bem apoiada sobre uma mesa, e não se pode colocar pesos ou apoiar
sobre a matriz porque pode se romper, facilmente.
Tem
características muito interessantes para a gravura. Permite linhas muito finas
quando utilizadas ferramentas afiladas, como ponta seca ou buril, dá texturas
muito interessantes com o buril raiado e mesmo com roletas e berçô. As áreas não trabalhadas proporcionam negros
intensos, chapados. Pode-se, porém, matizá-los friccionando com uma pedra pomes
ou com lixas ou palha de aço, etc.
A
gravura obtida com a matriz de gesso tem semelhanças com o linóleo, com algumas
características próprias que não a distingue substancialmente, a vantagem é a
facilidade de gravação por sua maciez e a desvantagem é o extremo cuidado que
exige por sua fragilidade. Mas possibilita uma gravura muito delicada, sutil,
requintada.
Nesses
experimentos foram utilizados blocos de gesso confeccionados industrialmente
para forros de residência. Poderíamos confeccionar nossa própria matriz, numa
forma, com uma mistura de gesso em pó, cola branca (para maior resitência) e
água.
Gravura 18(matriz em gesso trabalhada com diversas ferramentas. 2013) Impressão em relevo com barém em papel arroz.
Gravura 22. (Matriz de gesso, trabalhada com ferramentas
diversas – 2013). Dupla impressão, lado a lado, com barém, em papel
arroz.Aproximadamente 35 x 40 cm.
III. GRAVURA EM PAVIFLEX.
Experimentamos, ainda, diversos materiais como matrizes
para gravura, materiais ocasional-mente encontrados, tais como Paviflex,
compensado, papelão, entre outros.
Exploramos mais esse último, trabalhamos com uma placa de
Paviflex de 30 x 30 cm, material comercial fabricado para assoalho, piso. É
muito semelhante ao linóleo, pode ser entalhado com as ferramentas de
xilogravura, assim como com ponta seca e buril e, ainda, lixas, roletas, buris
raiados, berçôs, etc. O material quase não fornece resistência ao corte,
permitindo linhas muito precisas e traçados com ferramentas mais delicadas como
o buril e os buris raiados. E, ainda, pode ser cortado, ou recortado em formas
irregulares, facilmente, com um estilete.
Por
outro lado, não é flexível como o linóleo, é quebradiço, podendo se romper facilmente
se for dobrado, o melhor é colá-lo sobre uma folha de papel cartaz ou paraná,
para facilitar seu manuseio.
A
impressão se faz comumente, como na xilogravura ou linóleo, mas permite também
a impressão em oco, como a gravura em metal. Sua espessura é em torno de um
milímetro, colado ao papelão, chega a mais ou menos dois, o que permite sua
impressão também em côncavo. O resultado é muito gratificante, as linhas se
apresentam bem definidas, muito nítidas, as superfícies lisas, brancas, na
impressão calcográfica e negras na impressão em relevo.
Fizemos uma tiragem diversificada dessa
matriz, ‘em relevo’, em diversas cores, sobre um fundo chapado também impresso
em diferentes cores.
Posteriormente essa mesma matriz
foi recortada – pode ser facilmente cortada com um estilete - e impressa de
distintas maneiras, como uma monotipia.
IV. LITOGRAFIA A SECO
A litografia
a seco consiste na realização de um processo litográfico em uma chapa de ofsete
granitada, em que não se utiliza água como no processo tradicional em pedra. Aplica-se sobre
a chapa desenhada uma camada fina de silicone. O silicone é que repele a tinta,
permitindo que somente a imagem seja entintada. A chapa pode ser desenhada com
lápis 6B ou aquarela, caneta Bic, tonner, goma arábica e permite também a
transferência de fotocópias ou fotografias. Esses procedimentos podem ser
realizados isoladamente ou combinados.
Seu
criador é o artista canadense Nick Semenoff. Conheci o processo através do
litógrafo mexicano Raul Cabello, professor na Escola Nacional de Artes
Plásticas da Universidade Nacional Autónoma de México, que a pesquisou durante
muitos anos, em contato com Semenoff. E também seu filho Constantino Cabello,
na UNAM, e o jovem artista Xilberto L. Núñez do ateliê El Nido da cidade de
Toluca, cujos ateliês eu freqüentei.
Usa-se
as costas de chapas de ofsete usadas – é necessária que ela tenha uma
superfície granulada semelhante à pedra litográfica, pode-se obter isso com uma
aplicação de jato de areia.
Após
a chapa desenhada, aplica-se uma camada fina de silicone sobre o desenho.
Utiliza-se
um silicone comercial usado para vedação de canos de encanamento doméstico, que
não permite ser pintado (deve constar essa informação na embalagem). Após
algumas tentativas, optamos pelo da marca Tekved
transparente. Posteriormente a chapa é lavada com água aquecida
(no caso do lápis) ou com thinner,
com os outros materiais de desenho.O entintamento se faz normalmente, como na
lito tradicional, sem precisar umedecer a chapa.
Pode-se
imprimir na prensa litográfica, mas, resulta mais prático na prensa de xilo ou
metal, substituindo o feltro por uma ou duas folhas de um papel grosso tipo
pinho ou Paraná.
O
desenho com lápis 6B (ou lápis aquarela; permite também o uso de esfuminhos) dá
um resultado muito semelhante ao crayon litográfico. Reproduz com muita
precisão os valores tonais do desenho, isto é, linhas fortes ou linhas mais suaves
– mesmo aquelas muito suaves, muito pouco visíveis no momento do desenho. O
desenho com caneta Bic proporciona muita semelhança com a água forte, o thonner, por sua vez se assemelha ao
trabalho com tusche, ou a aguada de
nanquim.A caneta marcador permanente dá uma linha muito negra, definida, assim
como a goma arábica, que proporciona pinceladas ou áreas de um negro intenso.A
transferência de fotografia (em preto e branco, em impressora de tonner) ou fotocópia permite bastante
fidelidade ao original.
A litografia a seco com silicone, não permite apagar,
fazer correções. As raspagens arranham a chapa e produzem negros. Ciente dessa
informação, de que um arranhão sobre o silicone produziria um negro, fiz algumas
experiências com desenho com ponta seca ou mini retífica sobre a chapa siliconada.
O resultado – a impressão litográfica – é uma qualidade de linha muito fina,
muito bem definida, muito limpa, semelhante a um trabalho a buril sobre a
gravura em metal.
Litografia a seco trabalhada com tonner, caneta bic, marcador
permanente e lápis 6B
Litografia a seco 2014 - ponta seca sobre silicone em chapa
de alumínio. Impressão litográfica em preto em papel cansón ‘fine face’. 30 x
40 cm.
Bibliografia.
CHIARELLI, Tadeu. Arte Internacional brasileira. São
Paulo, Lemos Editorial, 1999.
CLÍMACO,
JCTS. De gravuras e cidades. Goiânia,
Editora da UFG, 2010.
FRANCO, Edgar (Org.). Desenredos: Poéticas visuais e processos de criação. Goiânia:UFG/FAV/ FUNAPE, 2010.
MORO, J.M. Un ensayo
sobre grabado a finales del siglo XX. Creatica Ediciones, 1998
VV.AA. Arte Brasileira do século XX. Itaú Cultural, 2000.FRANCO, Edgar (Org.). Desenredos: Poéticas visuais e processos de criação. Goiânia:UFG/FAV/ FUNAPE, 2010.
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